No Líbano nom hai cedros do Líbano.
Hai-nos nalguns versículos
da Bíblia. Hai-nos nos parques
de inúmeras ciudades de Ocidente.
Mas no Líbano, nom. Ao menos
na cordilheira homónima. Talvez
os esgotassem os agentes
de Hiram, rei de Tiro,
que se comprometeu
a enviar materiais a Salomom
para a construçom do Templo.
E em jangadas, até Jope,
polo mar forom os madeiros
transportados polos fenícios.
E Salomom encarregou aos seus servos
de transportá-los dali a Jerusalém.
E Hiram, rei de Tiro, enviou
a Salomom um arquitecto, Huran-Abi,
cujo pai era natural de Tiro
e a sua mai umha mulher da tribo
de Dan; e já servirá ao Rei David.
Obedecendo ordens, lenhadores
fenícios derrubarom
cedros a eito; mas
nom creio que o rei Hiram fosse
tam insensato que arruinasse
a sua riqueza forestal.
Mais bem deveu de ser na escura noite
medieval —bizantinos e cruzados,
árabes e mogóis— cando a orgulhosa
árvore da sua terra desertou.
Permaneceu a denominaçom
de origem. A gramática histórica
prevaleceu sobre a semántica
sincrónica. A história tiraniza-nos.
O passado agrilhoa-nos.
As cousas mudam, as palabras ficam.
Palavras enganosas, fantasmas
lexicamente vestem-nos. O tempo
trocou em falsos os nomes verdadeiros.
A superestrutura
lingüística pseudomorfosifica
a realidade. Preguiceira língua
que nom pode seguir
a evoluçom das cousas de pés ágeis.
Muitas vezes espectros sem sentido
—porque o rato do tempo
lhes rilhou a substância—
obrigam-nos a guerrear.
E a história é um combate de mortos.
As bandeiras que à morte nos conduzem,
hai tempo que perderom a memoria
do povo que simbolizavam.
Como o astrónomo capta a luz de estrelas
longo tempo apagadas no Universo,
assi as nossas ferozes
contendas por ideais ou tesouros,
som luitas por palabras
que já nom significam
o que significarom.
No Líbano nom hai cedros do Líbano.
Mentimos ao falarmos. Batalhamos
por damas que deixarom de estar vivas,
por pátrias que trocarom os seus mapas,
por riquezas que som papel moeda
sem reservas en ouro
nem trigo nem metal nem grao algum
que podam garantir
umha troca vital.
Espectros administram-nos
e palavras vazias
formam o nosso código
de falsas locuçons,
o nosso dicionário de imposturas.
No Líbano nom hai cedros do Líbano.
Nom existe o presente.
O pasado
rege-nos, a anacrónica
sombra do que já foi, mas já nom é.
Nom hai cedros do Líbano no Líbano.
Empregamos a fala
de Salomom nos tempos de Shamir.
Ricardo Carballo Calero: Reticências (1986-1989) (1990)
Versións:
As Efémeras: No Líbano nom hai cedros do Líbano; Musicando Carvalho Calero (VVAA)*; 2020; Pista 47
*[Concurso musical organizado pola AGAL (Associaçom Galega da Língua) en colaboración coa CRTVG e a Consellería de Cultura da Xunta de Galicia, para conmemorar o ano das Letras Galegas 2020, adicado a Ricardo Carballo Calero.]
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